
"Na sala de um apartamento residencial na região central de São Paulo, Ramón empurra sua caixa de brinquedos por entre máquinas industriais, bancadas, ferramentas e montes de roupas que esperam para ser costuradas. Outras 12 pessoas ocupam o espaço. Com a fiação elétrica exposta, o risco de incêndio é permanente. As janelas estão lacradas. O barulho das máquinas pode denunciar a oficina clandestina e trazer a polícia. Faz um calor infernal, o ar está pesado no ambiente sem ventilação.
Sentada há mais de 16 horas diante da máquina de costura, a mãe de Ramón tem pressa. Maria Diaz costura uma peça de roupa atrás da outra, intensamente. Ela tem uma agenda para cumprir. Só pára quando precisa comer ou ir ao banheiro. A mãe do pequeno Ramón é uma mulher exausta.
Desde que chegou ao Brasil, em 2003, trabalha do amanhecer até tarde da noite. Não tem carteira assinada, equipamento de proteção, assistência médica. Ela não existe nos registros de imigração. Oficialmente, o governo brasileiro não sabe de sua presença. Tampouco sua saída da Bolívia, em 2003, foi registrada pelo governo daquele país. Maria foi trazida para São Paulo por intermediários conhecidos como "coiotes", que ganham dinheiro contrabandeando gente de um país para outro. Em São Paulo, pelo menos 100 mil bolivianos estão nessa situação.
Maria Diaz faz parte de um grupo de dezenas de milhares de imigrantes que vivem em São Paulo anonimamente, sob o risco da extradição, vítimas do preconceito e sem nenhum tipo de garantia social ou trabalhista. Ela não pode se dar ao luxo de expor sua imagem.
Os imigrantes são explorados por uma indústria bilionária e transnacional. Na ponta dessa cadeia produtiva clandestina e precária está uma das mais tradicionais e conhecidas redes de lojas do mundo: o grupo C&A. As lojas C&A vendem roupas costuradas por pessoas forçadas a atuar à margem da lei, gente que não tem respeitados sequer os direitos fundamentais da pessoa humana.
A C&A sabe do problema há pelo menos um ano. Mesmo assim, continua se beneficiando, por intermédio de dezenas de malharias, de uma mão-de-obra extremamente precarizada. O importante é que as roupas cheguem ao consumidor de forma rápida e barata. Os imigrantes? Nem existem oficialmente. Não podem sequer reclamar, pois do contrário serão presos e podem até ser deportados." (Fonte: Em Revista - Veja a reportagem na íntegra)