As esperanças de salvar os diabos da Tasmânia (Sarcophilus harrisii) da extinção aumentaram nos últimos dias. Pesquisadores australianos acreditam que o sequenciamento dos genomas da espécie ajude a combater a doença do tumor facial (Devil Facial Tumor Disease – DFTD), um misterioso tipo de câncer que já dizimou metade da população da espécie na região leste da Tasmânia, ilha australiana da qual o animal virou um símbolo.
Os cientistas dizem ter encontrado uma "assinatura" genética de resistência à doença fatal. Eles querem que os engenheiros florestais usem o mapeamento de genes para identificar os diabos da Tasmânia que possuem a assinatura de resistência e os acasalar durante a estação de acasalamento deste ano, que iniciou agora e terminará em julho. Para Vanessa Hayes, do Instituto do Câncer Infantil da Austrália, em Sydney, seria ótimo se os dados gerados na pesquisa fossem usados no ciclo de acasalamento deste ano. Mas cientistas da Associação Regional de Parques Zoológicos e Aquários da Austrália (ARAZPA), que gerencia o programa de reprodução em cativeiro dos diabos da Tasmânia, dizem que pode ser cedo demais para usar o mapeamento genético. Segundo Paul Andrew, da ARAZPA, ainda não está totalmente claro que exista uma forma prática de usar a informação.
O projeto genoma dos diabos da Tasmânia teve início a 15 meses atrás, por Hayes, juntamente com Stephan Schuster e Webb Miller, da Universidade Estadual da Pensilvânia. Schuster já seqüenciou antes o genoma de animais extintos, como o mamute lanoso, usando uma entre diversas tecnologias que permitem aos cientistas estudar as seqüências genômicas em velocidades cada vez mais rápidas e a custos mais baixos. Porém, essas tecnologias ainda não tiveram muito efeito na conservação da fauna selvagem, porque ficaram focadas na medicina, agricultura e ciência básica.
A doença do tumor facial dos diabos da Tasmânia, identificada em 1999, é um câncer contagioso, que causa desfiguramento, passando de animal para animal através da mordida. Na face do marsupial, nascem tumores em torno da boca que aumentam de tamanho, fazendo com que o animal, passados cerca de seis meses, não consiga mais comer ou enxergar, e acaba morrendo de fome. Os demônios parecem ser vulneráveis a esse câncer porque são muito similares geneticamente uns aos outros, e às células cancerosas. Isso significa que o sistema imunológico da maior parte dos animais não reconhece as células cancerosas como estranhas, e por isso falha em destruí-las. Os cientistas procuram pela cura, mas não descobriram o que causa a doença. Por enquanto, por ser uma doença contagiosa e pela epidemia ter atingido proporções catastróficas, os conservacionistas vêm tomando medidas extremas, como matar os animais que apresentem os estágios iniciais da doença, para evitar o contágio, e criar áreas fechadas com populações saudáveis nas ilhas ao largo da Tasmânia, de forma a permitir a reintrodução, no caso da espécie ser erradicada da ilha principal no futuro próximo. Cerca de 65% da Tasmânia já foi afetada e em algumas áreas da ilha, 83% desses marsupiais estão infectados.
Apesar disso, alguns animais conseguem lutar contra o câncer, e a Fundação Gordon e Betty Moore, de Palo Alto, Califórnia, disponibilizou aos cientistas US$ 1 milhão para tentar entender a razão disso, seqüenciando os genomas de dois espécimes: Cedric (foto abaixo), que resistiu ao câncer até ser propositalmente infectado com uma linhagem específica, é o primeiro diabo da Tasmânia a mostrar qualquer imunidade à doença, e Spirit, que morreu da doença.
Os cientistas seqüenciaram cerca de um terço do código genético de cada um. Então, eles catalogaram os locais onde Cedric e Spirit se diferenciavam em "letras" específicas de DNA, chamadas de polimorfismos de base única (SNPs, na sigla em inglês). Depois, mapearam esses SNPs no genoma de outros 80 diabos da Tasmânia. Daí, descobriram que um subgrupo de SNPs podia ser diferente em animais da Tasmânia ocidental, que parecem ser mais resistentes ao câncer, e em animais da vulnerável população oriental. Cedric foi capturado no oeste da ilha. O mapeamento também identificou os animais mais parecidos com Cedric ou Spirit. Os cientistas acreditam que os marsupiais que compartilham das características genéticas de Cedric também possam ser imunes ao câncer ou capazes de reagir a uma vacina. Se não houver um avanço real, os especialistas temem que a espécie possa estar extinta dentro de 20 anos.
Agora, eles esperam que a ARAZPA permita o mapeamento de gene nos 170 diabos da Tasmânia em cativeiro, pois afirmam que os mapeamentos poderiam ajudar a associação a decidir quais animais são mais propensos a resistir ao tumor facial e, portanto, são os melhores para se reproduzir. A equipe já mapeou os genomas de diabos da Tasmânia em um dos parques do programa de reprodução em cativeiro, o Australian Reptile Park, em New South Wales, onde identificaram três machos com perfil genético, ou genótipo, muito compatível com o de Cedric. Assim, sugerem a tentativa de acasalar esses animais com o máximo de fêmeas possível.
A ARAZPA está estudando o pedido de Hayes de mapear todos os animais no programa de reprodução. A organização utiliza um programa estatístico que junta os casais combinando animais sem parentesco para preservar a diversidade genética. Para eles, escolher animais com marcadores genéticos específicos poderia na verdade diminuir a diversidade genética total. Para a ARAZPA, tem que se ter muito cuidado ao reter os genes de apenas um animal, o que poderia ocasionar a perda da variação genética, levando os animais a adquirirem outro câncer dentro de poucos anos, por exemplo. Outros cientistas também são receptivos a mais estudos, observando que Hayes e seus colegas não sabem se seus dados localizam os genes que realmente aumentam a resistência ao câncer.
Para os defensores, o projeto continua a acrescentar mais informação sobre os genomas de Cedric e Spirit, e essa informação certamente descobrirá os genes mais importantes, pois segundo eles, não há como não encontrarem os genes importantes, já que todos os genes serão sequenciados. A equipe de Hayes já argumenta que seus dados podem oferecer informação crucial, que poderá ajudar a salvar uma espécie ameaçada de extinção se for incorporada ao atual programa de reprodução dos diabos da Tasmânia.
A pesquisadora Vanessa Hayes analisa um
diabo da Tasmânia juntamente com o
pesquisador Stephan Schuster,
da Universidade Estadual da Pensilvânia
diabo da Tasmânia juntamente com o
pesquisador Stephan Schuster,
da Universidade Estadual da Pensilvânia
O diabo da Tasmânia é o maior marsupial carnívoro do planeta, depois que o tigre-da-tasmânia foi extinto em meados do século 20, pelos seres humanos. A espécie foi extinta do continente australiano. Por isso, para ver um desses marsupiais, em estado selvagem é preciso ir até a Tasmânia, o único lugar onde ele ainda sobrevive. A Tasmânia é um estado da Austrália, localizado em uma grande ilha ao sul de Melbourne. Por alguma razão, esse não é o lugar preferido dos australianos que residem no continente. Por isso, a proporção de pessoas que vão à Tasmânia e têm contato com o bichinho é pequena.
A espécie foi descrita pela primeira vez em 1807 pelo naturalista George Harris, que a classificou no gênero Didelphis. Richard Owen reviu a classificação em 1838, incluindo o diabo no gênero Dasyurus. Finalmente em 1841 foi-lhe atribuído um gênero próprio, Sarcophilus.
Acredita-se que, no continente australiano, o diabo da Tasmânia tenha sido extinto pelo dingo (Canis lupus dingo), subespécie do lobo, foi introduzida na região continental da atual Austrália por navegadores austronésios, há cerca de 3 mil anos, bem antes da colonização européia.
De aparência robusta, possui pelagem de cor castanha escura a negra exceto na zona do peito onde tem uma mancha branca. A cabeça é relativamente grande, com orelhas arredondadas e nariz afilado. Habitam todas as regiões da ilha com preferência pelas florestas. O porte do animal varia conforme sua alimentação, idade, saúde e condições do habitat. O tamanho máximo registrado é de 80 cm de comprimento e 30 cm de altura, dos ombros até as patas. A cauda atinge 30 cm. As fêmeas são normalmente maiores que os machos. O peso de um macho adulto pode chegar a 12 kg. Mas não é o tamanho que assusta os seres humanos, pois seu porte é comparável ao de um pequeno cão. Sua boca, dotada de poderosas mandíbulas, com uma abertura impressionante e dentes molares especialmente adaptados que permitem ao diabo esmagar ossos, é que mete medo, pois facilmente dá a impressão de ser extremamente feroz. Sem falar das vocalizações definidas como “fantasmagóricas”, desse animal de hábito noturno. Por causa dessas características “assustadoras”, impressionou os primeiros colonizadores europeus que deram ao pequeno marsupial o ingrato nome de diabo. Contudo, ele possui temperamento tímido e se esconde dos seres humanos. Porém, quando encontram outros membros da sua espécie em torno de carcaças, tornam-se extremamente agressivos e envolvem-se em lutas que deixam cicatrizes profundas com frequência. As lutas são acompanhadas das barulhentas vocalizações como grunhidos, guinchos e latidos.
As fêmeas atingem a maturidade sexual aos dois anos. A época de reprodução realiza-se anualmente em março e resulta em ninhadas de 2 ou 3 crias que nascem em abril, ao fim de 21 dias de gestação. Como na maior parte dos marsupiais, o resto do desenvolvimento dos juvenis faz-se no interior do marsúpio (a bolsa), neste caso, durante os quatro meses seguintes. As crias saem pela primeira vez em agosto-setembro e tornam-se independentes em dezembro.
Com a extinção do tigre da Tasmânia, o diabo tornou-se o predador de topo da cadeia alimentar no seu ecossistema, mas os juvenis podem ser caçados por águias, corujas e quolls. Contam sobretudo com a visão, o olfato e os bigodes para localizar o alimento. O diabo da Tasmânia alimenta-se de pequenas aves, répteis, mamíferos, anfíbios, insetos e até mesmo frutas, entretanto, prefere carniça de animais maiores, como o canguru, e nada desperdiçam, engolindo até pele e pedaços de ossos. Estes animais têm um impacto positivo no seu habitat no controle de espécies introduzidas de lagomorfos e roedores e na remoção de carcaças em decomposição.
No passado foi caçado e envenenado pelos pelos colonizadores pela sua carne, que os colonos diziam ter sabor a vitela, e porque achavam erroneamente que esses animais causavam estragos ao rebanho. A verdade é que existem raras ocorrências de ataques a filhotes de ovelhas e animais de rebanho. Os registros mostram que apenas os bichos doentes são presas ocasionais do diabo da Tasmânia. Ele ajuda a manter a saúde do rebanho, pois alimenta-se das carcaças dos animais que morrem e, ainda, tira, de forma inofensiva para as ovelhas vivas, as larvas de parasitas que se instalam em suas costas. Apresentam longevidade aproximada de 8 anos.
Cada vez mais aumenta o número de pessoas e organizações que se sensibilizam pela causa e procuram ajudar. A produtora Warner Brothers, por exemplo, convocou Pernalonga, Patolino e os outros personagens de seus desenhos animados, o Looney Tunes, para salvar o diabo da Tasmânia. Lançou na Austrália DVDs, com 11 novos títulos. Parte do lucro obtido com as vendas foi destinada à campanha na ilha da Tasmânia para garantir o futuro do que seu maior símbolo. A missão de resgate, é claro, inclui Taz, o diabo da Tasmânia que faz parte da série de desenhos da empresa. Os DVDs contêm informações sobre o tumor facial que afeta a espécie.
A espécie foi protegida em 1941 e a partir daí a população recuperou-se. Agora lutam para sobreviver à maldita doença que poderá causar sua extinção.