quinta-feira, 26 de março de 2009

Nuclear – Não adianta esconder. Os desastres são calamitosos e o risco, por menor que seja, sempre vai existir


A Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) informa que existem hoje em operação 439 usinas nucleares, distribuídas em 30 países, gerando cerca de 14% do total da energia elétrica do mundo. Considerada por muitos cientistas como “energia limpa” e “segura”, a agência estima sua ampliação nos próximos anos, mas especialistas afirmam que o fantasma de Chernobyl não deve se afastar completamente.

Segundo o Professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), “o risco de um acidente sempre existirá e como em qualquer tecnologia, existe sempre o risco. Um avião sempre pode cair. Mas existe uma diferença: um acidente nuclear tem capacidade para atingir uma população numerosa, pode ter consequências sérias".

Foi o caso do acidente da usina nuclear de Chernobyl, acontecido na Ucrânia em 26 de abril de 1986. A contaminação radioativa espalhou-se por 150.000 km2, pela Bielorússia, Ucrânia e Rússia. As nuvens e o vento depositaram a radiação, a milhares de quilômetros de distância. Centenas de milhares de pessoas foram evacuadas e milhões continuaram a viver em áreas pe
rigosas para a sua saúde e vida. O mapa abaixo mostra o deslocamento da nuvem radioativa formada pelo acidente, composta por elementos como o Césio 137, com radioatividade equivalente a 200 vezes a das bombas de Hiroshima e Nagasaki combinadas.

Seis dias após a explosão, helicópteros militares lançaram no local toneladas de areia, chumbo, boro e outros materiais, para apagar o incêndio. Em seguida, foi construída uma cobertura de concreto sobre a usina para tentar limitar a contínua emissão radioativa. O reator número 4 de Chernobyl foi selado inúmeras vezes. Foi construído um sarcófago especial para evitar a fuga da radiação. Com isso tudo, o reator ardeu durante 10 anos. Os bombeiros, os militares, os técnicos e trabalhadores que ajudaram a controlar a maior fuga da radioatividade ocorrida no planeta até os dias de hoje, morreram por intensa exposição à radiação depois de trabalharem no local nos dias seguintes ao acidente. Além dessas baixas, a região registra até hoje um aumento na incidência de câncer.

A verdade é que 22 anos após o maior acidente nuclear civil da história, os estudos científicos mostram que as consequências totais do desastre podem chegar a 100.000 casos de câncer fatais, nos próximos 10 anos, entre 7 e 15 vezes mais que o estimado pela da Organização Mundial da Saúde (OMS), que limita esse número a 9.000. Vinte e dois anos após a catástrofe, 40% do solo da União Européia ainda sofre um alto nível de contaminação radiativa. As maiores concentrações de material radiativo recaíram sobre Bielorússia, Rússia e Ucrânia, mas mais da metade da quantidade total de emissões geradas pelo acidente foi parar em solos da Europa Ocidental.

Cerca de 3.900.000 Km2 da UE receberam mais de 4.000 becquereles por m2 de Césio 137 (Bq/m2, unidade de medida de radioatividade), elemento com vida média de 30 anos. Entre essas regiões, estão 80% do território da Áustria e da Suíça, 44% da Alemanha e 34% do Reino Unido. Além disso, 2,3% da Europa Ocidental foi contaminado com níveis superiores a 40.000 Bq/m2, uma porcentagem que inclui 5% das terras de Ucrânia, Finlândia e Suécia.

A carne de animais silvestres na Alemanha apresenta atualmente uma média de 6.800 Bq/kg, mais de dez vezes superior aos 600 Bq/kg máximos permitidos pela UE em alimentos. Níveis similares são encontrados em cogumelos, frutas e animais silvestres de certas regiões da Áustria, Italia e Suécia. Só na Grã-Bretanha as restrições sobre alimentos contaminados por Chernobyl ainda afetam 200.000 ovelhas e a produção agrícola de 750 Km2 de fazendas. Até 2005 cerca de 5.000 casos de câncer de tiróide foram registrados entre moradores da Bielorússia, Rússia e Ucrânia que tinham menos de 18 anos na época do desastre.

A magnitude do acidente impôs mudanças na supervisão das atividades nucleares. Seis meses depois do caso, foram implantadas a Convenção de Rápida Notificação de Acidente Nuclear e a Convenção de Assistência diante de Acidente Nuclear, vinculadas à IAEA. No entanto, a indústria nuclear insiste em reavivar o seu negócio perigoso. Mesmo 22 anos após Chernobyl, a mesma mistura de incompetência, arrogância, pressão econômica e política vem mostrando suas garras, levando a crer que os mesmos erros poderão ser cometidos novamente.

Apesar dos riscos ilimitados, a geração de energia elétrica por usinas nucleares no mundo aumentou 75% entre 1986 e 2007, empregando 250.000 trabalhadores no setor e alcançando cerca de 2600 bilhões de kW/h. Até 2030, a IAEA estima que esse valor pode triplicar, uma vez que outros 43 países manifestaram interesse recentemente em iniciar geração de energia por essa fonte, como o Brasil que já anunciou a construção de 50 a 60 usinas nucleares nos próximos 50 anos, começando com a ativação de Angra 3, cuja primeira concretagem deve acontecer em abril próximo. Com capacidade para gerar aproximadamente mil megawatts cada unidade, as usinas farão parte da retomada do programa nuclear brasileiro. Além de Angra 3, no estado do Rio de Janeiro, já estão definidas as construções de duas unidades no sudeste e outras duas no nordeste. A energia termonuclear no Brasil é hoje gerada nas usinas de Angra 1 e Angra 2, que juntas têm capacidade de 2.000 MW.

A agência aponta que esse aumento se deve principalmente a três fatores: o aumento da demanda global por energia, a volatilidade dos preços dos combustíveis fósseis e o interesse em fontes de energias "limpas". A usina nuclear se enquadra nessa classificação porque não altera a qualidade do ar, não influencia na acidez da chuva e não emite dióxido de carbono.

Ao lado dessa expansão, crescem as dúvidas sobre o futuro dos chamados dejetos nucleares, ou seja, componentes de usinas nucleares que não possuem mais condição de uso, mas ainda assim apresentam radioatividade, o lixo atômico, outro grande problema causado por essa tecnologia. Sabe-se que até o momento não existe uma solução definitiva para a questão dos rejeitos nucleares. Cogita-se a utilização de reservatórios profundos, mas não existe uma proposta internacionalmente aceita.

No caso do Brasil, sem dúvida que vale a pena refletir sobre a questão. O país apesenta enorme potencial para geração de energia utilizando-se de outras tecnologias realmente limpas (sem aspas). Enquanto estiver funcionando às mil maravilhas, esse modelo tecnológico fascina e cega àqueles que não têm noção dos estragos causados por um acidente nuclear, tanto por problemas nos equipamentos, nos sistemas de segurança ou estruturais na construção, quanto pelo vazamento de radioatividade de rejeitos. Vale a pena lembrar mais uma vez: os danos, normalmente, são catastróficos, afetando imensas áreas, atingindo e dizimando milhares de seres humanos e ecossistemas, não só num curto espaço de tempo, mas por muitos e muitos anos.

A indústria nuclear continua na mira de acidentes, mentiras, encobrimentos e incompetências. Os novos reatores, defendidos por muitos cientistas e governos, ameaçam tornar-se os Chernobyls de amanhã. Pense nisso.