A polêmica caça às focas na costa atlântica do Canadá começou nesta segunda-feira (23) pela manhã, com 20 embarcações zarpando rumo a uma população bastante grande localizada próximo às Ilhas de la Madeleine, no Golfo de Saint-Laurent. A carnificina ocorre no momento em que aumenta a oposição a essa prática anual, e a União Européia estuda proibir a comercialização de produtos derivados desses animais. Em abril, o Parlamento Europeu votará uma proposta para proibir produtos derivados da foca, o que os impediria de ser importados, exportados ou, inclusive, de ser transportados dentro dos países que integram o bloco. A medida deve ser aprovada depois pelos governos da UE antes de poder ser implementada. O massacre no Canadá deve continuar no início de abril nas águas a leste da província de Terranova e Labrador.
Este ano, o governo canadense, que estima que a população seja atualmente de mais de 5,5 milhões de cabeças, autorizou a caça de 338.200 animais, dos quais 280.000 focas da Groenlândia, 5.000 a mais do que no ano passado. Também permitirá a caça de 8.200 focas de casco e de 50.000 focas cinzentas, neste último caso, 38.000 a mais do que em 2008. Foram concedidas 16 autorizações a observadores, para que ativistas e jornalistas monitorem a caça. O Departamento de Pesca e Oceanos do Canadá (DFO), que regulamenta a caça, estima que nasça um milhão de focas a cada ano.
As focas da Groenlândia (Phoca gorenlandica), também conhecidas como focas harpa, são caçadas com fins comerciais nas costas de Groenlândia, Noruega, Estados Unidos, Namíbia, Grã-Bretanha, Finlândia e Suécia. Mas é no Canadá que se pratica a maior caçada de focas anual do mundo. Esses animais são caçados principalmente por sua pele, e também por sua carne e gordura, que é usada em produtos de beleza. As focas harpa, cujo lombo, quando adultas, se assemelha a esse instrumento musical, costumam dar à luz sobre o gelo flutuante, onde estão a salvo dos predadores de terra firme. Os filhotes podem flutuar, mas são maus nadadores e freqüentemente se afogam durante as tempestades. Estes filhotes, cuja caça é ilegal desde 1987, perdem sua pelagem branca aproximadamente 12 dias após nascerem, e têm entre três e oito semanas quando são mortos por causa da pele de pêlo curto, que pode ser vendida por até US$ 70 a unidade.
A prática sanguinária movimentou em 2008 seis milhões de dólares no Canadá. O preço médio por pele que os caçadores recebem é de aproximadamente 42 dólares. A caça de focas pode representar de 25 a 35% das receitas anuais totais dos 6.000 pescadores locais.
A Humane Society condenou o aumento da cota de caça permitida e acusou o governo canadense de uma "profunda falta de critério" ao estabelecer "uma cota absurdamente alta", denunciando ainda que na última vez que o Canadá permitiu que se matassem tantas focas, a população de focas da Groenlândia reduziu-se para dois terços em uma década. Segundo os técnicos da instituição, neste ritmo, no futuro próximo a população de focas harpa entrará em colapso, repetindo o que ocorreu com as populações de bacalhau setentrional administradas pelo DFO, que manteve muito altas as cotas dessa variedade, por razões políticas, e agora, dez anos depois de proibir sua pesca, as reservas de bacalhau continuam esgotadas. Destaca ainda que, equivocadamente, muitos pescadores culpam as focas harpa por isso.
A polêmica sobre a crueldade com os animais supera amplamente a da sustentabilidade da caça. A cada ano, centenas de ativistas e jornalistas europeus e norte-americanos chegam a esta região do Canadá para protestar, presenciar e documentar o sangrento espetáculo. A matança costuma chocar pessoas no mundo inteiro, especialmente devido às imagens do sangue dos animais se espalhando pelo branco do gelo e da neve. Milhares de focas jovens recebem disparos ou golpes mortais para terem, em seguida, a pele retirada. Às vezes ainda estão vivas quando são despeladas. A caça de focas é uma importante fonte de renda para várias comunidades isoladas do Canadá, em Quebec e no norte. A maioria dos caçadores de focas é de Newfoundland, província oriental onde a caça de focas e a pesca foram o principal meio de vida durante séculos. A maioria de seus habitantes (90%) apóia a caça. Estando com sua economia deprimida e proibidos de pescar várias espécies, a eles restam poucas opções para obter renda. Para eles, a caça supõe uma batalha que recompensa os que juntam mais peles.